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  • 19 Apr, 2025
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A internet não é mais um lugar — é um vício coletivo

A internet não é mais um lugar — é um vício coletivo

Eu sou da geração que viu a internet nascer. Vi ela sair do barulho do discador e chegar no Wi-Fi automático. Vi ela deixar de ser uma sala com computador no canto da casa pra virar o nosso próprio bolso, o nosso travesseiro, o nosso despertador. E no começo, era empolgação: o mundo estava ali, a informação estava ali, os amigos também. Mas hoje, o que vejo é outra coisa. A internet deixou de ser uma ponte e virou um buraco — um buraco onde a gente mergulha sem perceber que tá afundando.

Não sei se você já se deu conta disso, mas a internet parou de ser um lugar que a gente visita. Agora ela é o lugar onde a gente mora. A gente acorda com ela, come com ela, trabalha com ela, dorme com ela. E quando, por algum motivo, a gente tenta se afastar — mesmo que por um tempinho — o desconforto é imediato. A ansiedade bate. Parece que tá faltando alguma coisa. E sabe por quê? Porque a gente não tá mais conectado — a gente tá condicionado.

Essa transição foi tão silenciosa que a maioria nem notou. A internet se infiltrou em tudo. A gente parou de decorar números de telefone, de lembrar caminhos, de ter conversas longas. Tudo virou busca rápida, resposta curta, vício em velocidade. E aí a gente começa a confundir praticidade com dependência. Porque sim, é prático ter tudo na palma da mão. Mas é assustador perceber que a gente não sabe mais viver sem.

Eu mesmo já me peguei checando o celular sem nem saber o que estava procurando. Já acordei no meio da noite pra ver notificação que nem existia. Já perdi horas rolando feed e depois fiquei com aquela sensação de “por que eu fiz isso?”. E eu sei que não tô sozinho. Porque isso é o novo normal. Um normal que a gente não escolheu — a gente só foi aceitando. E agora, parece que sair disso exige um esforço quase sobre-humano.

A internet hoje funciona como uma roleta emocional: em um minuto você tá vendo um vídeo de alguém rindo, no seguinte já é uma notícia trágica, depois um tutorial, em seguida uma indireta que parece pra você... e quando vê, tá mentalmente esgotado sem nem ter saído do lugar. Isso é o mais cruel — ela não só prende nosso tempo, mas também sequestra nossa atenção e, muitas vezes, nossa paz.

A gente entrou num ciclo onde todo silêncio precisa ser preenchido. Fila do banco? Celular. Esperando o micro-ondas apitar? Celular. Banheiro? Celular. Tudo virou desculpa pra mais uma dose de estímulo. E como todo vício, o efeito vai diminuindo. Então o que antes saciava em 5 minutos, agora exige 30. O vídeo precisa ser mais curto, o conteúdo mais barulhento, a imagem mais agressiva. A gente tá, aos poucos, desaprendendo a ficar em paz com o tédio.

Chegou num ponto em que eu precisei me perguntar: eu tô usando a internet ou tô sendo usado por ela? Porque é muito fácil cair na ilusão de que temos controle, quando na verdade estamos apenas reagindo — ao feed, à notificação, à próxima rolagem. E se a gente não para pra refletir sobre isso, acaba entregando nossa atenção — que é o bem mais valioso que temos — pra um sistema que só quer manter a gente rolando.

A saída não é abandonar tudo, nem fazer um detox radical que dura dois dias e vira post. A saída, pelo menos pra mim, tem sido buscar presença. Escolher com mais consciência o que consumo. Desinstalar o que me suga mais do que entrega. Deixar o celular de lado nas primeiras horas do dia. Trocar o automático pela intenção. A internet não precisa ser um vício — mas pra isso, ela tem que voltar a ser ferramenta. E a gente tem que reaprender a ser usuário, não refém.

Eu sei que não é fácil. É desconfortável olhar pra isso de frente. A gente vai resistir, vai arranjar desculpas, vai dizer que “é só pra trabalho”. Mas se a gente parar pra ouvir de verdade o que o corpo e a mente tão gritando — a gente vai entender. O excesso tá nos adoecendo. A gente perdeu o direito ao silêncio, à espera, à pausa. E se isso não é dependência, eu não sei o que é.

Então fica aqui o convite: fecha essa aba. Sai da tela. Fica só contigo por uns minutos. Repara como é difícil — e como isso já diz tudo. A liberdade que a internet prometeu tá aí, mas a gente só encontra quando aprende a se desconectar de vez em quando. E quem sabe, aos poucos, reconectar com o que importa de verdade. Com a vida real. Com a gente mesmo.

E o mais irônico é que a internet vende exatamente o contrário: liberdade, autonomia, acesso à informação. Mas o que a gente vê, na prática, é uma multidão viciada, ansiosa, desconectada do presente. Um monte de gente presa num looping de conteúdo raso, de distração crônica. Todo mundo quer atenção, todo mundo quer engajamento — mas poucos sabem o que fazer com isso depois. Porque preencher o feed é fácil. Preencher a vida? Nem tanto.

Eu comecei a testar umas pequenas fugas desse ciclo. Tipo deixar o celular longe quando tô com alguém. Ou sair pra caminhar sem levar nada. No começo dá um desconforto real, quase abstinência. Mas depois de um tempo, começa a bater uma paz. Uma clareza. Como se meu cérebro, finalmente, tivesse espaço pra pensar com calma. E é aí que percebo o quanto a internet tá moldando até meu ritmo interno. E não, isso não é normal.