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  • 19 Apr, 2025
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Eu já trabalhei com influenciadores. Já estive nos bastidores de campanhas, negociações, estratégias. E quer saber? Tem muita coisa que ninguém vê. O público acompanha os sorrisos, os filtros, as viagens, os unboxings... mas por trás daquela câmera frontal, existe uma pressão silenciosa, uma vida calculada no detalhe. Influenciar virou profissão — mas também virou prisão. Porque quando sua imagem vale dinheiro, você perde o direito de ser espontâneo.

O problema é que a maioria das pessoas consome esse conteúdo achando que tudo aquilo é real. Mas não é. Aquela viagem paradisíaca foi paga com permuta, aquele look do dia tem briefing da marca, aquele lifestyle perfeito exige contrato, roteiro, e às vezes até sofrimento disfarçado de carisma. Eu já vi influenciador indo às lágrimas porque não conseguiu bater a meta de engajamento da semana. E isso acontece muito mais do que se imagina.

E a cobrança não vem só de fora — vem de dentro também. O algoritmo dita o humor. Se o vídeo performa bem, é alívio. Se flopar, é crise. E é um ciclo que se retroalimenta: quanto mais engajamento você tem, mais você precisa manter. A vida deixa de ser vivida pra virar conteúdo. Cada passeio, cada refeição, cada momento íntimo vira oportunidade de post. E nessa de “compartilhar tudo”, muitos acabam perdendo a essência de viver.

Tem gente que acha que ser influenciador é só “postar e ganhar dinheiro”. Mas o que ninguém te conta é que, em muitos casos, é postar e perder saúde mental. É medir autoestima por número de likes, é depender de aceitação digital pra se sentir relevante. É estar cansado, mas sorrir mesmo assim. É não poder sumir porque o algoritmo pune. E quando você percebe, já não sabe mais se tá vivendo pra si ou pro público.

Sabe o que mais me preocupa nesse universo? É o impacto que ele tem em quem consome sem filtro. Porque o influenciador, mesmo sem querer, vira régua de comparação. A pessoa acorda, abre o Instagram, e a primeira coisa que vê é alguém com o corpo perfeito, a casa organizada, a vida em ordem. E aí começa o ciclo: “Por que minha vida não é assim?” — como se aquilo ali fosse real. Mas não é. Aquilo é uma vitrine, não um espelho.

Já recebi mensagem de gente dizendo que se sentia fracassada por não conseguir ser produtiva como aquela influenciadora de manhã perfeita. Que se achava feia porque o rosto não era lisinho igual o da blogueira. Que se sentia um lixo porque não fazia mil coisas num dia como os vídeos mostram. E isso me dá um nó na garganta. Porque a internet devia ser espaço de troca, de ideia, de conexão. Mas virou fábrica de insegurança.

E olha que curioso: os próprios influenciadores sofrem com isso. Eu já vi gente que tem milhões de seguidores se sentir inútil porque outro perfil “entregou mais”. Já vi criadores se comparando com outros criadores. E aí todo mundo tá tentando ser alguém que ninguém é de verdade. Todo mundo tentando sustentar uma fantasia digital, vivendo uma vida que, na prática, não existe nem pra quem posta.

É nesse ambiente que muita gente adoece. Ansiedade, burnout, crise de identidade, distúrbios alimentares... tudo disfarçado sob o brilho do ring light. E quem vê de fora pensa que é só glamour. Mas por trás da selfie, muitas vezes, tem esgotamento. Tem cobrança. Tem um ser humano que também chora, que também surta, que também tem medo de não ser suficiente. Só que isso raramente aparece no feed. Porque vulnerabilidade ainda é vista como fraqueza — e o algoritmo não entrega fraqueza.

No fundo, o que falta na internet é sinceridade. Falta mostrar o que não vende. Mostrar a insegurança, o bastidor, o fracasso, a pausa. Mas isso não gera curtida. Não gera contrato. Então o que a gente vê é só o recorte do bom momento. Só que ninguém vive só de bom momento. E é aí que a mentira coletiva vai ganhando força: o influenciador finge que tá tudo bem, o seguidor finge que acredita, e o mercado finge que é saudável. Todo mundo atuando. Todo mundo cansado.

Eu não tô dizendo que todos os influenciadores são falsos — longe disso. Tem muita gente verdadeira, que compartilha com consciência, que entende a responsabilidade que carrega. Mas a estrutura tá viciada. A lógica é doente. E quem não se encaixa, é engolido. Ou se adapta, ou desaparece. E isso é cruel. Porque transforma gente em personagem. Transforma vida em roteiro. Transforma humanidade em KPI.

A verdade é que influenciar é mais do que vender produto ou ditar tendência. Influenciar é mexer com a cabeça dos outros. É plantar ideia, é gerar comportamento, é criar visão de mundo. E quando isso é feito sem consciência, sem filtro, sem responsabilidade... vira um problema social. Um problema que tá na palma da nossa mão, todo dia, toda hora, no nosso feed.

Por isso eu escrevo. Porque a gente precisa falar sobre isso. Precisamos lembrar que por trás da tela tem gente de verdade. Que perfeição não existe. Que número não define ninguém. E que a vida real — aquela que vale de verdade — não precisa de filtro. Precisa de presença. E de verdade. O resto é só cenário.