O barulho da certeza e o silêncio da compreensão
Tem dias que eu abro as redes sociais e só vejo grito. Todo mundo falando. Todo mundo opinando. Todo mundo com pressa de reagir — e ninguém disposto a escutar. E o mais curioso: quanto menos a pessoa entende do assunto, mais certezas ela parece ter. A internet virou um campo de batalha onde o que importa não é o diálogo, é o volume. Vence quem fala mais alto, quem viraliza primeiro, quem responde mais rápido. E no meio disso tudo, a escuta foi ficando pra trás — até desaparecer.
Eu não sou contra opinião, muito pelo contrário. Acho que opinar é um ato de expressão legítimo. Mas o problema é que a gente confundiu opinar com atacar, corrigir com humilhar, argumentar com vencer. A conversa virou disputa. O comentário virou palco. E a vontade de entender o outro foi substituída pela pressa de defender um ponto. Como se toda troca de ideia fosse uma guerra onde só pode sair um “certo”. E isso cansa. Isso afasta. Isso empobrece.
Já me peguei entrando em discussão só pra provar que estava certo. Não ouvi o outro, só esperei minha vez de falar. Só que, depois, ficava aquele gosto amargo: o que eu ganhei com isso? Nada. Só desgaste, só ruído, só mais um eco dentro de uma bolha que me devolve exatamente o que eu quero ouvir. E foi aí que eu entendi: a gente não tá mais se ouvindo — tá só esperando a vez de interromper.
O excesso de opinião virou um ruído social. E esse ruído não é neutro — ele suga empatia, ele bloqueia pontes, ele desumaniza. Porque quando eu falo demais e escuto de menos, eu transformo o outro num obstáculo, não num interlocutor. E isso, no fundo, diz muito mais sobre minha insegurança do que sobre minha razão. É fácil falar sem parar. Difícil mesmo é calar pra entender. E hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de quem escute de verdade.
A cultura do “respondi primeiro” e a morte do diálogo
Sabe o que me preocupa? É ver que a gente tá começando a ter medo do silêncio. Parece que se você não tiver uma opinião formada na hora, você é burro, alienado, omisso. E aí o que acontece? A gente sai falando qualquer coisa. Cita frase de efeito, compartilha link sem checar, repete discurso alheio só pra não parecer “desinformado”. Mas informação sem reflexão é só barulho com cara de inteligência. E o mundo já tá cheio disso.
As redes sociais ajudaram a criar essa pressa. Tudo é imediato: a notícia, a reação, o cancelamento. Ninguém mais lê até o fim. Ninguém mais escuta até o ponto. A gente responde antes de entender. Opina antes de respirar. É uma ansiedade de se posicionar tão forte que a escuta virou perda de tempo. E isso tem consequências: discussões rasas, amizades quebradas, polarização absurda, e uma sociedade cada vez mais fragmentada.
Eu vejo isso em grupos de família, em comentários de post, em reuniões de trabalho. A pessoa nem terminou de explicar o ponto e já tem alguém cortando pra “dar sua visão”. E o mais curioso: quanto mais a pessoa se sente no direito de opinar, menos ela se preocupa em ouvir. Porque pra ela, escutar virou fraqueza. Mas na verdade, escutar é inteligência. É maturidade. É a base de qualquer convivência minimamente saudável.
O que falta hoje não é gente que pense — é gente que consiga sustentar o silêncio, olhar nos olhos e dizer: “me explica melhor”. Que pergunte antes de concluir. Que espere antes de julgar. Que aceite que não saber também é um ponto de partida. Porque, na boa, não existe evolução sem escuta. Sem escuta, tudo vira imposição. E a gente já tá cheio de gente impondo. Tá na hora de voltar a conversar. Mas de verdade.
O poder de ouvir com presença
Hoje, mais do que nunca, eu acredito que escutar é um ato de resistência. Porque enquanto o mundo grita, quem silencia pra entender está indo na contramão. E essa contramão é necessária. Escutar não é só ficar quieto enquanto o outro fala. É estar presente de verdade, com mente aberta e coração disposto. É sair da lógica de resposta pronta, de argumento ensaiado, de necessidade constante de autoafirmação. E, sinceramente, isso muda tudo.
Quando eu comecei a me observar mais nas conversas, percebi o quanto eu falava pra mostrar algo — e não pra construir algo. Quando mudei isso, passei a ter diálogos muito mais profundos. Às vezes, só ouvir já resolve. Já conforta. Já mostra que você se importa. Ninguém quer ser convencido o tempo todo. Às vezes, as pessoas só querem ser ouvidas sem interrupção. E é incrível o que acontece quando você se coloca nesse lugar.
Eu não tô dizendo que a gente deve se calar pra sempre. Opinar é necessário, posicionar-se também. Mas que tal fazer isso depois de escutar? Depois de refletir? Depois de tentar compreender de onde o outro vem? Porque se cada um só falar do seu lado, ninguém se encontra no meio. E no meio é onde mora a empatia, o entendimento, o aprendizado. A escuta é a ponte entre mundos que se distanciaram demais.
Então, se o mundo anda barulhento demais, talvez o papel mais valioso agora seja o de quem sabe ouvir. Não por omissão, mas por sabedoria. Não pra se esconder, mas pra se conectar de verdade. Porque no fim das contas, a escuta é o que transforma ruído em relação. E a gente precisa disso. Urgente.