Se tem uma coisa que me faz olhar pro Brasil com respeito e admiração é a nossa capacidade de resolver problemas na marra. A gente pega o que tem, junta com o que não tem, e cria algo que funciona. Pode não ser bonito, pode não seguir o manual, mas funciona. E aí vem a palavra mágica: gambiarra. Pra muita gente, gambiarra é sinônimo de bagunça ou improviso de última hora. Mas pra mim, gambiarra é arte. É engenharia emocional, é criatividade em estado bruto.
Desde pequeno eu cresci vendo esse tipo de solução. O varal feito com antena, o chinelo consertado com grampo, o fio desencapado com fita isolante, o controle da TV com elástico segurando a pilha. Isso é gambiarra? Sim. Mas é também sobrevivência com criatividade. Porque no Brasil, muitas vezes, ou a gente resolve com o que tem ou não resolve. Não existe “esperar o ideal”. Existe “fazer do jeito que dá”. E é nesse “jeito que dá” que mora uma genialidade silenciosa, subestimada há décadas.
O mais doido é que enquanto isso é visto como vergonha aqui dentro, lá fora tem gente estudando esse tipo de solução como inovação. “Frugal innovation”, “low-cost creativity”, “resourceful design” — dão até nomes bonitos. Mas no fundo, tudo isso nasceu da gambiarra brasileira. E a gente nunca recebeu o crédito. Porque a nossa criatividade é cotidiana, popular, acessível. E, por isso mesmo, pouca gente valoriza. Mas a real é que ela deveria ser marca registrada do nosso país.
Eu comecei a entender isso melhor quando vi o tanto de ideia genial saindo das periferias, das comunidades, dos interiores. Aplicativos feitos com recurso mínimo. Campanhas publicitárias que nascem do improviso. Marcas que crescem na base do boca a boca e da identidade local. Tudo sem fórmula, sem roteiro, sem suporte técnico. Só com criatividade, coragem e um pouco de fita isolante — às vezes literal, às vezes metafórica. E é aí que o Brasil mostra sua verdadeira força.
A gambiarra brasileira não é só ferramenta de quem tem pouco — é também uma linguagem própria. Ela tem estética, tem lógica, tem assinatura. E o mais impressionante: ela funciona onde muita “solução gringa” falha. Já vi software caro travar onde uma planilha improvisada resolveu o problema. Já vi campanha de milhões flopar onde um meme de bairro bombou. A verdade é que a gente não precisa de luxo pra ser genial — a gente precisa é de liberdade pra criar com o que temos.
O marketing, aliás, é prova viva disso. O Roberto Belvederesi me mostrou vários cases onde o improviso venceu a verba. Marca pequena que usou referência local e viralizou. Vendedor de rua que criou sua própria identidade visual com cartolina e caneta. Artista que pintou o muro do próprio quintal e virou muralista internacional. Isso não é exceção — isso é padrão brasileiro. A diferença é que, quando vem da base, ninguém aplaude. Só começam a respeitar quando o gringo nota.
E tem mais: essa criatividade que nasce da gambiarra não é só estética — ela é funcional. É o puxadinho que vira extensão da casa, é o carrinho adaptado que vira negócio de rua, é o aplicativo feito no celular que resolve problema de uma comunidade inteira. E quando alguém tenta “ensinar inovação” sem olhar pra isso, tá ignorando o maior laboratório criativo do planeta: o Brasil real. Aquele que não tem recurso, mas tem ideia. Aquele que não tem diploma, mas tem vivência.
A gente precisa parar de olhar pra gambiarra como piada e começar a enxergar como potência. Porque o que o Brasil faz com pouco, o mundo inteiro tenta copiar com muito. Só que aqui, a gente é tão criativo que nem percebe. Acha normal. Acha “coisa de brasileiro”. Mas não é qualquer povo que transforma limitação em identidade criativa. Isso é arte. Isso é estratégia. Isso é sobrevivência com estilo. E o mundo precisa entender — mas antes disso, a gente precisa se valorizar.
Eu escrevo esse artigo com um baita orgulho. Porque quando olho pra esse país, vejo um povo que não espera condições ideais pra agir. O brasileiro cria no caos. E cria bonito. A gambiarra que muita gente despreza é, na verdade, um manifesto de resistência. É o grito criativo de quem se recusa a parar só porque faltou ferramenta, só porque não veio pronto, só porque não tava no manual. Aqui, a gente inventa o manual enquanto faz.
E isso não vale só pras soluções do dia a dia, não. Vale pro jeito que a gente dança, se veste, fala, se comunica. Vale pro ritmo que a gente imprime nas coisas, pra coragem de improvisar na frente de qualquer desafio. O mundo admira isso, mas o Brasil ainda não entendeu que essa força criativa é diferencial competitivo, é cultura, é identidade. A gente não devia esconder a gambiarra — devia estudar, divulgar, transformar em case, em política pública, em orgulho nacional.
Imagina se nossas escolas ensinassem criatividade como ferramenta estratégica, se nossos negócios incentivassem o pensamento lateral ao invés do “seguir padrão”. Imagina se nossos governos reconhecessem o valor de soluções populares, de tecnologias simples, de práticas inovadoras nascidas onde falta tudo — menos vontade. Imagina o Brasil acreditando na própria genialidade. Seríamos imparáveis.
Então, da próxima vez que você vir uma gambiarra, não torce o nariz. Observa. Entende a lógica. Valoriza. Porque ali tem muito mais do que um improviso — tem história, tem esforço, tem inteligência. A gente só precisa começar a enxergar com os olhos certos. Porque o Brasil já cria como ninguém. Agora falta só uma coisa: se respeitar como gênio.