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  • 19 Apr, 2025
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O mito do ser humano multitarefa

Durante muito tempo eu acreditei que ser multitarefa era uma qualidade. Tava no meu currículo, nas entrevistas de emprego, nos papos de corredor: “Eu sou multitarefa”, eu dizia com orgulho. Mas aí, com o tempo — e principalmente com o cansaço —, eu percebi que o que eu chamava de “multitarefa” era só caos disfarçado de competência. Não era produtividade, era desespero. Era minha mente pulando de tarefa em tarefa, sem foco, sem pausa, sem respirar.

A gente foi ensinado a acreditar que dar conta de tudo ao mesmo tempo é uma vantagem. Mas o cérebro humano não foi feito pra isso. Ele alterna foco — não multiplica. E cada vez que a gente tenta dividir a atenção, a gente não está rendendo mais, a gente tá rendendo pior. É só fazer o teste: responder e-mail enquanto ouve áudio, mexer no celular enquanto assiste uma reunião, abrir mil abas no navegador enquanto escreve um relatório. No fim, nada fica realmente bem feito — e você termina o dia se sentindo esgotado, improdutivo e frustrado.

E tem um detalhe importante: a multitarefa não é só inimiga da eficiência. Ela é inimiga da sanidade. Porque esse hábito de fazer tudo ao mesmo tempo nos treina pra nunca estar presente de verdade. A gente tá sempre com a cabeça em outra aba, outro app, outra notificação. Tudo ao mesmo tempo. E o resultado? Ansiedade, cansaço mental, perda de concentração e, o mais perigoso: a sensação de que nunca é suficiente. Porque quanto mais a gente tenta abraçar o mundo, mais ele escapa pelos dedos.

Hoje eu entendo que o problema não era a minha capacidade — era a cultura que romantiza esse comportamento como se fosse dom. Mas não é dom, é distração crônica. A gente tá tão sobrecarregado que virou normal fazer dez coisas de uma vez. E quem tenta fazer uma de cada vez é visto como lento. Só que na real, o mais inteligente não é quem corre mais — é quem sabe onde e como pisar. E isso, infelizmente, a cultura do multitarefa esqueceu de ensinar.

A ilusão da produtividade constante

Uma das maiores mentiras que a gente acreditou foi a de que “quanto mais você faz, mais você vale”. Essa lógica tá em tudo: nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, até nos relacionamentos. Mas a verdade é que viver no modo multitarefa não te faz mais produtivo — te faz mais distraído. É como dirigir com o GPS falando, o WhatsApp tocando e você tentando lembrar se trancou a porta de casa. Dá pra ir? Dá. Mas vai ser seguro? Vai ser eficiente? Vai ter paz? Duvido.

Eu já tive dias em que fiz mil coisas ao mesmo tempo e, no fim, não sentia que tinha feito nada direito. Um projeto começado pela metade, uma conversa interrompida, uma ideia esquecida porque outra coisa apitou na tela. E isso tudo vai se acumulando, não só na agenda — mas na cabeça. É como se todo dia a gente fosse jogando mais peso num sistema que já tá no limite. E o corpo sente. A mente também. Só que como ninguém quer “ficar pra trás”, a gente empurra — até travar.

E o pior? A sociedade aplaude. “Nossa, como você dá conta de tudo!” — e por dentro, a gente mal tá dando conta da própria cabeça. Essa glorificação do acúmulo virou o novo normal. Só que tem um custo alto: a qualidade cai, a saúde vai embora, e o tempo passa voando sem que a gente realmente viva nada por inteiro. É como se a gente estivesse sempre fazendo muito — e, ao mesmo tempo, vivendo pouco.

O multitarefa virou desculpa pra sobrecarga. E a sobrecarga virou rotina. Mas isso não é progresso — é autoboicote. A gente precisa urgentemente reverter essa lógica. Aprender que foco é mais valioso do que acúmulo. Que fazer uma coisa com presença vale mais do que fazer cinco no piloto automático. E que produtividade de verdade é aquela que respeita o seu ritmo, e não a que te transforma num robô com várias abas abertas.

Uma coisa de cada vez (e tudo com mais presença)

Eu demorei pra entender que o contrário de multitarefa não é lentidão — é consciência. Fazer uma coisa por vez não é sinal de fraqueza, é sinal de respeito. Respeito com o que se faz, com quem se envolve e, principalmente, com você mesmo. Porque só quem já se perdeu no meio de mil tarefas sabe o valor de conseguir terminar algo com calma, com atenção, com entrega. É libertador sair do modo “correria constante” e entrar no modo “presença total”.

Hoje, quando eu sento pra escrever, por exemplo, eu fecho as outras abas. Silencio as notificações. Me permito estar ali de verdade, só naquele momento. E isso muda tudo. A escrita flui melhor, a cabeça pesa menos, o cansaço diminui. Porque quando você tá inteiro numa coisa só, até o tempo parece render mais. É como se a vida ficasse mais nítida, mais leve, mais... sua. E isso não tem aplicativo que ensine — tem que viver.

Eu sei que é difícil desacelerar num mundo que valoriza o excesso. Mas começar com pequenas escolhas já muda o jogo. Dizer “não” pra um pedido extra. Priorizar o que realmente importa no dia. Tirar o celular da mão por uma hora. Fazer uma refeição sem rolar o feed. Parece bobo, mas são esses gestos que devolvem o controle. Porque no fim das contas, não é sobre fazer tudo — é sobre fazer com verdade.

Então, da próxima vez que você ouvir alguém dizendo que é multitarefa, respira fundo. E se pergunta: será que é mesmo? Ou será só mais um ser humano cansado tentando parecer produtivo? A gente não nasceu pra funcionar como máquina. E tudo bem. O que a gente precisa é de foco, de presença, de pausas. E, acima de tudo, de coragem pra assumir: não, eu não dou conta de tudo. E isso não me faz menos — me faz humano.