Tem algo muito errado acontecendo e a gente nem percebeu. Hoje em dia, parece que viver exausto virou motivo de orgulho. Se você dorme mal, trabalha demais, não tem tempo pra nada e vive apagando incêndio — parabéns, você tá “vencendo na vida”. A gente romantizou o caos. Criou essa ideia de que quanto mais cansado, mais relevante você é. E eu, sinceramente, já caí nessa. Achei bonito estar sempre atolado, sem tempo, sem pausa. Mas isso não é vida — isso é vício em agitação.
Eu lembro de quando comecei a trabalhar com tecnologia. A cultura da produtividade me engoliu. Era bonito dizer que eu ficava até de madrugada no código, que respondia e-mail no domingo, que “tava sempre correndo”. Só que aos poucos, esse orgulho virou peso. O corpo cobrava, a mente travava, e eu não sabia mais relaxar. Porque o tempo todo eu achava que descansar era perder tempo. E olha... não tem nada mais perigoso do que transformar o descanso em culpa.
Essa cultura do caos é alimentada por todos os lados. Você abre o Instagram e tá lá o influencer acordando às 5h da manhã, treinando, tomando café fit, lendo três livros ao mesmo tempo e ainda dizendo que “basta organização”. Como se todo mundo vivesse no mesmo contexto, com os mesmos recursos, as mesmas condições emocionais. Isso pressiona. Isso adoece. A gente começa a se comparar com uma rotina que nem é real — é roteirizada pra likes.
E o mais cruel: a exaustão virou status. Quem diz que tá cansado o tempo todo parece importante. Quem responde “correria” quando perguntam como vai a vida, parece bem-sucedido. Mas por trás desse discurso, tem gente quebrada. Tem gente à beira do colapso, sorrindo no feed e chorando no banheiro. Tem gente sobrevivendo de cafeína e ansiedade, e achando que isso é normal. Mas não é. O caos não devia ser meta — devia ser alerta.
Acordar cansado já virou rotina. Tomar café no modo automático, engolir tarefa atrás de tarefa, mal respirar entre uma entrega e outra. E aí chega o fim do dia e a gente tá exausto, mas não realizado. Porque uma coisa é trabalhar muito por algo que te motiva. Outra bem diferente é estar sempre no limite, sem nem lembrar o porquê. É aí que mora o perigo: a gente parou de viver e começou só a manter funcionamento.
Já tive dias em que fiz tudo o que precisava — mas no final, sentia que não fiz nada. Porque o corpo produziu, mas a mente ficou no modo sobrevivência. Sem tempo pra sentir, pra curtir, pra digerir. Tudo rápido, tudo em sequência, tudo mecânico. Isso não é produtividade, é automação emocional. A gente virou máquina de entrega. E quem não acompanha o ritmo, é visto como fraco. Como se saúde mental fosse frescura. Como se burnout fosse só “falta de organização”.
Essa cultura afeta todo mundo: do universitário ao empreendedor, da dona de casa ao executivo. Cada um no seu campo, tentando provar que consegue dar conta de tudo. Como se a medida do nosso valor fosse a quantidade de tarefas que conseguimos cumprir em 24 horas. Ninguém mais pergunta se tá tudo bem de verdade — pergunta se já fez tal coisa, se conseguiu responder tal e-mail, se entregou tal projeto. E no meio disso tudo, a vida vai sumindo.
E sabe o que é pior? A gente se acostuma. Começa a achar que é normal viver assim. Começa a ver o caos como parte da personalidade. “Ah, eu sou assim mesmo, acelerado, multitarefa, mil por hora.” Mas isso não é identidade — é consequência de um modelo que valoriza o excesso e ignora o equilíbrio. E quando a gente percebe, já tá no automático há tanto tempo que nem lembra mais como é viver no modo presente.
Desacelerar não é fracassar — é resistir
Hoje eu vejo que desacelerar é um ato de coragem. Porque o mundo te cobra agilidade o tempo todo. Você não pode parar, não pode sumir, não pode descansar — senão é “desatualizado”, “preguiçoso”, “lento”. Mas eu aprendi, na marra, que a pausa é uma escolha consciente. Que parar não é perder. É recuperar. Recuperar sanidade, presença, identidade. E, principalmente, recuperar o controle do próprio tempo — esse que a gente foi entregando sem perceber.
A gente precisa parar de glorificar a agenda lotada. A produtividade sem sentido. A correria pela correria. Precisamos voltar a perguntar: pra quê tudo isso? Pra quem é essa pressa? O que a gente tá tentando provar? Porque, no fundo, tá todo mundo exausto. E continuar fingindo que isso é normal é manter um sistema doente funcionando. Um sistema que lucra com o nosso cansaço. Que vende soluções mágicas pra problemas que ele mesmo criou.
E não, não é fácil mudar esse ritmo. É desconfortável. É contra a corrente. Quando você começa a desacelerar, bate a culpa. Bate a sensação de estar ficando pra trás. Mas é só nesse silêncio que a gente volta a ouvir a si mesmo. É só na pausa que a gente entende o que faz sentido. E o mais curioso: quando você começa a respeitar o próprio ritmo, percebe que o mundo não para. Ele segue. Mas você segue com mais consciência, mais leveza e mais verdade.
Então, se você também tá cansado — não só fisicamente, mas cansado de estar cansado —, saiba que você não tá sozinho. E saiba que tá tudo bem querer desacelerar. Tá tudo bem não dar conta de tudo. Tá tudo bem parar. A romantização do caos precisa acabar. E isso começa quando a gente escolhe, mesmo que aos poucos, sair dele.